Kilombo Souza é Patrimônio Imaterial de BH - Santa Tereza Tem
Logo

Kilombo Souza é Patrimônio Imaterial de BH

Kilombo Souza, em Santa Tereza, é reconhecido como Patrimônio Imaterial pelo CDPCM-BH

Às vésperas do Dia Nacional da Consciência Negra (20 de novembro), nossos vizinhos, em Santa Tereza, moradores da Vila Teixeira / Kilombo Souza, comemoram a concessão do registro de Patrimônio Cultural Imaterial de Belo Horizonte pelo Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural de Belo Horizonte (CDPCM-BH) à Comunidade Quilombola de Sousa. Durante sessão ordinária, realizada no dia 18, o registro foi aprovado por unanimidade pelos integrantes do CDPCM-BH.

 O processo de registro imaterial do Kilombo Souza foi iniciado em julho de 2019, logo após o reconhecimento do local como território quilombola pela Fundação Palmares. A partir de então, um dossiê sobre o quilombo foi elaborado pela equipe técnica da Diretoria de Patrimônio Cultural e Arquivo Público da Fundação Municipal de Cultura.

O dossiê de 169 páginas contém documentos históricos, registros fotográficos e diversas entrevistas com moradores, aprofundando nas origens das famílias que vivem no local.

O material serviu de embasamento para a análise do Conselho do Patrimônio, resultando no parecer positivo para o registro do quilombo, pela sua importância para a identidade e memória da cidade de Belo Horizonte (o parecer, na íntegra, pode ser lido no portal da Prefeitura).

Integrantes da Família Souza, junto com a matriarca dona Lídia comemora o registro, que é uma salvaguarda do Kilombo Souza

A Secretária Municipal de Cultura e presidenta interina da Fundação Municipal de Cultura, Fabíola Moulin destaca a importância do registro. “Essa ação de salvaguarda integra uma política cultural da Prefeitura de Belo Horizonte voltada ao patrimônio imaterial, evidenciando o protagonismo da cultura negra na história de Belo Horizonte, que esteve invisibilizada ao longo dos anos.”

O que é patrimônio imaterial

É o conjunto de saberes, práticas, modos de vida, de expressão, que tem valor não em termos de dinheiro. Não têm preço, porque não são negociáveis.  São bens não palpáveis, que vêm sendo herdados de geração em geração. Ao mesmo tempo em que cada geração agrega um novo conhecimento, preserva a memória coletiva, a identidade, e o sentimento de pertencer a um grupo. É o patrimônio imaterial que leva as pessoas de um país, por exemplo, a sentir-se integradas naquela nacionalidade

Vila Teixeira na década de 60

O registro é uma conquista como lembra Gláucia Cristine de Araújo, líder comunitárias das 16 famílias que ali vivem, da resistência dos moradores da Vila Teixeira, que contou com o apoio fundamental da Associação Comunitária do Bairro Santa Tereza (ACBST), Movimento Salve Santa Tereza, das vereadoras Bella Gonçalves, Cida Falabela, do vereador Pedro Patrus, da deputada federal Áurea Carolina e da deputada estadual Andréia de Jesus.

Para Gláucia Cristine de Araújo, “ser considerado patrimônio Imaterial pelo Conselho é o reconhecimento de nosso território e de nossa existência. É importante lembrar que foi baseado em um dossiê amplo e feito a várias mãos. Agora vamos construir projetos para a salvaguarda do Kilombo. É muito importante também para a preservação da história de Santa Tereza e de certa forma da ADE (Área de Diretrizes Especiais). Isso fortalece ainda mais nossa resistência, pois continuaremos a luta com fé, determinação e muita garra”.

Gláucia Cristine de Araújo, líder comunitária do Kilombo

Flavia Julião, diretora da ACBST, observa que essa é uma das lutas que a atual diretoria da Associação Comunitária do Bairro Santa Tereza encampou, desde o início, reconhecendo e apoiando as famílias do Kilombo Souza na defesa de seus direitos.

Ela ressalta que “foi um dia histórico para nós de Santa Tereza e para Belo Horizonte. O reconhecimento do Kilombo Souza por parte do Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural, reforça a nossa luta por uma cidade democrática comprometida com a justiça social, a igualdade racial e a diversidade cultural. O trabalho dos técnicos em relação ao dossiê de registro, foi primoroso e queremos aqui em nome da Associação de Moradores do Bairro de Santa Tereza parabenizá-los e também às famílias do Kilombo Souza por mais essa vitória.

A origem da Família Souza

Em 1902, escravo liberto pela Lei Áurea, Petronillo de Sousa (1879) e Elisa da Conceição (1887), nascida livre, decidiram se casar na cidade mineira de Além Paraíba. Em 1915, o casal veio para Belo Horizonte, assim como muitos trabalhadores, sobretudo afro-brasileiros, em busca de oportunidades na nova capital.

 E não faltou trabalho. Petronillo atuou como carpinteiro, inclusive na construção das portas da Igreja da Boa Viagem, lavrador em sítios nas áreas suburbana e rural, plantou hortaliças e criou animais (porcos e galinhas) para comercialização na região, onde hoje é Santa Tereza.

Elisa de Souza, a matriarca, adquiriu em 1923 um terreno na época em que ainda não havia a rua onde está localizado hoje, a Rua Teixeira Soares, em Santa Tereza. O local segundo moradores mais antigos era uma barroca, ou seja, um despenhadeiro coberto de mato. Ali a família limpou o terreno, construiu uma casa, plantou e cresceu, presenciando e contribuindo no processo de urbanização do bairro ao longo dos anos.

Dona Lídia Sousa, a matriarca comemora o título de Kilombo, concedido pela Fundação Palmares em 2019

Patricia Brito, especialista do Patrimônio e coordenadora da equipe que fez o estudo para a produção do dossiê, explica que a escolha do local por Petronillo e Elisa, não foi por acaso, mas de certa forma estratégica. “Quando o casal chega a Santa Tereza, fica claro no estudo que a escolha do território pelo casal, foi fundamental para questões que tem a ver com a sabedoria ancestral sobre o uso do espaço e ligado a questões ambientais. Ali havia um brejo e passava o curso d’água que ia até à avenida Silviano Brandão.  Então eles aproveitavam o fluxo dessa água para o plantio e os cuidados com os animais. Foi uma escolha estratégica que tem a ver com uma tecnologia ancestral”.

Luta contra o despejo

 O terreno, conforme o contrato de compra e venda, foi vendido por Arthur Ramos, dono desde 1905 da antiga fazenda Américo Werneck. Entre 1908 e 1924, a família Ramos vendeu diversos terrenos, incluindo o da Vila Teixeira, mas registrou em cartório a metragem total adquirida em 1905.

Devido a isso, Petronillo não conseguiu o registro do seu terreno, mas acreditou estar assegurada a propriedade pelo contrato de compra e venda.

Em 1970, no entanto, os herdeiros de Arthur Ramos iniciaram a ação demarcatória contra vários réus, dentre eles, a Vila Teixeira Soares e o Clube Oásis, localizado também em Santa Tereza.

Os moradores da Vila Teixeira foram surpreendidos em 2018 com uma ordem de despejo. A ação, que teve início em 1970, foi suspensa na década de 1980 depois que Lídia Martins, neta de Elisa de Souza, a primeira moradora do local, apresentou os documentos de compra e venda do terreno.

Em 2006, o processo voltou a tramitar no Tribunal de Justiça de Minas Gerais sem que as famílias, que pagam IPTU desde 1955, fossem informadas, o que as impossibilitou de tomar diversas medidas jurídicas para impedir o despejo, como, por exemplo, entrar com uma ação de usucapião.

Moradores comemoram a suspensão do despejo

Assim, desde 2018, as famílias da Vila Teixeira vêm lutando para garantir a sua permanência no local. O despejo foi suspenso em 2019, apesar de ainda a ação estar tramitando na justiça.

Para saber mais sobre o caso, acesse os links abaixo
Audiência Pública na Câmara
Comunidade mobiliza-se em apoio à Vila Teixeira
Reunião no 16º BPMG prepara o despejo dos moradores
Vila Teixeira ganha força
Vila Teixeira: suspenso o despejo

Anúncios