Por *Ana Beatriz Mascarenhas
Como mencionado por mim, minha tese de doutorado objetiva analisar o conceito e abordagem do patrimônio vivo no contexto da proteção de Santa Tereza como Conjunto Urbano, uma vez que a associação entre ambiente construído e os modos de vida são dimensões complementares. Da mesma forma, também mencionei que a abordagem do patrimônio vivo parte do princípio de que, em função dessa associação, implica que a comunidade – denominada comunidade central – é a responsável pela manutenção do sítio.
A participação da população na proteção e gestão do patrimônio é essencial na medida em que, além de se buscar um processo democrático e inclusivo demonstra ter efeitos duradouros, amplos e sustentáveis. Se tomarmos, por exemplo, o orçamento participativo, pelo menos até o final dos anos 1990, construía-se numa prática democrática possível, ampliava a participação da sociedade de modo geral no processo de deliberação, oferecendo, sobretudo aos cidadãos de grupos historicamente excluídos, acesso a espaços de tomada de decisão.
O processo de proteção e gestão de bens culturais deveria seguir princípios semelhantes, pois o patrimônio cultural deve refletir os valores, que as pessoas atribuem a eles e o desejo de transmiti-los às próximas gerações, considerando que esses bens estão sujeitos a transformações, pois o passado é visto como parte do “presente vivo”.
Todavia, devemos ter em mente que, conciliar todos os interesses em função dos valores que cada indivíduo possui para um bem comum, é extremamente complexo. Assim, num contexto em que o poder de decisão for delegado ao público, a probabilidade é que não se chegue a uma solução visto a multiplicidade de interesses individuais. E, mesmo que a gestão participativa e deliberativa seja essencial na busca por espaços políticos mais inclusivos e democráticos, nesse modelo não há garantias de acerto “pois uma coletividade bem pode, livre e soberanamente, tomar uma decisão injusta ou equivocada” (SOUZA, 2011, p.333).
Mas como o patrimônio cultural é criado por pessoas, ele deve ter seus benefícios voltados para as pessoas. Wijesuriya, Thompson e Court (2018, p.36) afirmam que, sem sombra de dúvida, ele contribui para o bem-estar socioeconômico e ambiental e é por esse motivo que “as pessoas são cada vez mais consideradas como uma parte central da equação de gestão do patrimônio” (WIJESURIYA; THOMPSON; COURT, 2018, p.36, tradução nossa).
No próximo artigo, trarei o exemplo o inventário participativo do Minhocão (Elevado Presidente João Goulart) que buscou identificar e mapear as referências culturais dos diversos grupos sociais que moram e trabalham na região central da cidade de São Paulo.
Referências
SOUZA, Marcelo Lopes de. Mudar a cidade: uma introdução crítica ao planejamento e à gestão urbanos. 8 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2011.
WIJESURIYA, Gamini; THOMPSON, Jane; COURT, Sarah. People-centered approaches: engaging communities and developing capacities for managing heritage. In: CHITTY, Gill. Heritage, conservation and communities: engagement, participation and capacity building. New York / London: Routledge, 2018.p.34-49.
*Ana Beatriz Mascarenhas é arquiteta e urbanista pós-graduada em Gestão Cultural pelo Senac de São Paulo. É mestre pelo programa de pós-graduação em Ambiente Construído e Patrimônio Sustentável da UFMG no qual é doutoranda. É idealizadora, coordenadora e curadora do Festival Cine Identidade & Memória desde 201