Santa Tereza Tem Memória: Geraldo Goretti e imigrantes italianos - Santa Tereza Tem
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Santa Tereza Tem Memória: Geraldo Goretti e imigrantes italianos

A história de Santa Tereza, está ligada aos imigrantes italianos, espanhóis e portugueses, que a partir de 1898 vieram trabalhar na construção da nova capital.  

Foi em uma dessas levas de imigrantes italianos, que chegou da cidade de Firenze, com os pais, o jovem Giulio Goretti. Seus outros irmãos, Vitório, Gino, Elizabeth e Virgínia já nasceram aqui. Depois de se fixarem na Lagoinha durante algum tempo,a família veio para Santa Tereza.

Os irmãos Goretti que vieram da Itália

Quem relembra a história é Geraldo Goretti, que aos 97 anos tem uma memória surpreendente, além um grande contador de casos. Acreditamos ser ele uma das pessoas mais idosas de Santa Tereza, atualmente.

” Nasci na Lagoinha em fevereiro de 1917. Mudei para esta região com um ano de idade. Aqui cresci, casei e criei minha família”, conta ele com orgulho.

Segundo ele, uma das primeiras casas construídas na Praça foi a de sua família, que existe até hoje, o número 136, logo depois do Bolão. “Naquela época, a Rua Mármore não tinha nada. A água era retirada de cisterna e a água encanada demorou muito para chegar. Mas o bairro cresceu rápido, que nem Brasília”, compara Geraldo.

Giulio Goretti, Maria Odília e os filhos Geraldo (o maior) e Osvaldo

Ele relembra que “meu tio, Francisco Antônio Ventura, construiu a casa dele ao lado da nossa.  A parte da frente alugou a um comerciante, que montou o primeiro boteco de Santa Tereza. Era um pouco diferente dos botecos de hoje, pois segundo ele, lá se vendia de tudo, arroz, feijão, sabão e fornecia produtos para os soldados da 5ª Cia”.

A região da Praça Duque de Caxias e o Colégio Tiradentes, Geraldo lembra que havia dois pavilhões para acolher os imigrantes. Neles funcionou a 1ª Cia do Exército e depois o 5º batalhão. Em torno de 1925, o local foi ampliado, com a construção que vai até a Rua Salinas, como é hoje.

Infância

Apesar de hoje ainda no bairro as crianças brincarem e jogarem bola na Praça, naquele tempo era bem diferente, relembra o “menino” Geraldo. “O prédio onde hoje é Bolão, foi construído por Domingos Cardoso em um lote vago cheio de árvores, onde a meninada brincava. A vida era soltar papagaio, jogar bola na rua, balançar na gangorra amarrada a um pé de jalão”.  (Alguém aí conhece pé de jalão?).

O bebê Geraldo Goretti

E tinha tombos e joelhos ralados. Ele conta que “um dia a gente gangorrava e meu primo começou a empurrar e eu gritando pára, pára… ele não parou. A corda arrebentou e tive dois dedos machucados, cuidados pelo tio Carlos, que era assim como um enfermeiro.”

“ Minha infância foi muito boa. Eu sempre ia ao cinema na Floresta, com o meu pai, que era músico lá. Então eu assentava no meio dos músicos e ficava ouvindo as músicas tocadas por eles. Não gostava do filme, mas da música, ” conta ele achando graça.

Escola e trabalho

Como quase todo mundo da região, aos seis anos foi para o Grupo Escolar Barão de Macaúbas, na segunda leva de matriculado, em 1923. “Saí do Barão e fiz exame de admissão para o Ginásio, com 11 anos. Estudei no Barra Preto, na Avenida Augusto de Lima”.

  “A gente começava a trabalhar cedo, relata Geraldo. “Primeiro trabalhei em um armazém na então Rua Buritis. O dono ia sempre ao mercado, onde hoje fica a Rodoviária, vender porquinhos da índia.”

Geraldo trabalhou também na Vidraçaria Ventura, à Rua Espírito Santo, 306, em casa de ferragem e fábrica de calçado. “Trabalhei no armazém do Eugênio Tameirão, um fazendeiro de Bocaiúva. Foi muito bom, pois peguei experiência e aprendi a ter responsabilidade”, diz Geraldo.

Em frente à Igreja São José

  “Aí fiz concurso para a Rede Ferroviária e fui aprovado em 1º lugar. Vê só! Fiquei sabendo da minha nomeação pela boca da D. Maria Douro, que trabalhava na Rede. Lá trabalhei por 32 anos e perdi uma vista por deslocamento da retina. Apesar de ter feito três operações com o Hilton Rocha, médico famoso na época, também perdi a outra vista. Não pude mais trabalhar”, fala sem reclamar, aceitando o que a vida apresentou a ele.

Geraldo relembra que seu pai, Giulio, tinha um posto de gasolina no bairro. “De madrugada as pessoas tocavam a buzina. Eu atendia e enchia o tanque. Isso porque papai junto com meu tio Vitório Goretti viajava para pintar as igrejas do interior, como a de Curvelo, Formiga, em São Paulo, Espírito Santo, São João Del Rei. Até na igreja São José eles pintaram”.

Casamento com Wanda

A jovem Wanda morava à Rua Salinas com Hemílio Alves. O jovem Geraldo passava na sua porta, indo visitar o seu tio Carlos. Um dia houve um pic nic do pessoal da Rede Ferroviária na Fazenda do Rosano, quando ele foi apresentado a ela.


Ele recorda que “em uma festa da igreja, a Wanda tomava conta de uma barraquinha. Ela me convidou para entrar e ficamos conversando. No outro dia, quando passei pela sua casa ela estava lá. Eu sempre passava e acumprimentava. Um dia, encontrei com ela no ponto do bonde, quando ela voltava do trabalho no Ministério da Agricultura.  Começamos a conversar e nunca mais paramos, ” conta Geraldo entre risos

Geraldo e Wanda – casamento em 1948

“Ficamos noivos e depois de casados fomos morar à Rua Bom Despacho 81, onde nasceu o Geraldo. Na Rua Mármore 120, em frente ao Bazar Glória nasceram meus filhos, Aparecida, Maria Odília, Carlos. Já na Rua Galba Veloso, 345, nasceu a Fatima,” relembra ele.

Primeira morada do casal: Bom Despacho 81

Com detalhes conta que os partos eram feitos em casa pelo seu Tio Carlos, o mesmo que tratou de seus dedos machucados no tombo da gangorra.  Entretanto, seu filho, ao qual deu o nome de Carlos, veio ao mundo por suas mãos, conta entre risos e emocionado.

Assim, aquela conversa na barraquinha rendeu, além dos cinco  filhos, 12 netos e 9 bisnetos, o orgulho de seu Geraldo

Assassinato no Hospital do Isolamento

Ele relembra um caso que marcou época, no Hospital do Isolamento, onde hoje é o Mercado Distrital. “Meu tio Carlos D´Ávila era o administrador. Ele morava com a família no hospital. O verdadeiro nome do hospital era Cícero Ferreira, mas o povo só chamava o lugar de Isolado, porque acolhia os doentes com doenças contagiosas, difíceis de serem curadas e para não espalhar para outras pessoas, os doentes ficavam isolados ali.”

Hospital Cícero Ferreira, também conhecido como do Isolamento, , onde hoje é o Mercado

O quarteirão, segundo ele, era cercado por um muro. “Na parte interna meu tio Carlos, homem bondoso e sensível, plantou um grande pomar com abacateiros, mangueiras, jalão e outras plantas, tornando o ambiente mais leve”, conta ele, com grande admiração pelo tio.

O diretor do hospital, em 1942, era o médico Dr. Levy Coelho da Rocha. Geraldo Goretti conta que “ Dr. Levy Coelho se indipôs com um enfermeiro e ele resolveu se vingar. Ele chegou ao hospital e avisou a meu tio Carlos, que ia matar o Dr. Levy. Tio Carlos implorou para ele não fazer isso. Então o enfermeiro atirou em meu tio, que ficou ferido e depois no Dr. Levy , que acabou morrendo”.

“Meu tio era, além de administrador, um tipo de enfermeiro, que fazia um pouco de tudo até parto. Ele era uma pessoa tão bondosa, que teve cerca de 120 afilhados, quase todos, filhos de doentes do hospital. Tio Carlos, a que me refiro, era irmão de mina mãe, Maria Odília.”

“Não posso reclamar, cumpri a minha parte, sou um homem feliz”! (Com os filhos Fatima e Carlos)

Agradecemos à Fatima Goretti e família a cessão das fotos antigas e ao seu Geraldo por ter recebido o Santa Tereza Tem em sua casa com todo carinho.

Nota. Geraldo Goretti faleceu em 2016. E esta reportagem foi feita em outubro de 2014

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