Serra do Curral pede socorro - Santa Tereza Tem
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Serra do Curral pede socorro

Ações na Justiça contestam decisão do Copam, que ameaça cartão postal de BH.

A serra foi esculpida pela natureza há cerca de dois bilhões e 400 milhões de anos. Quem quiser reforçar a luta pela sua aprovação pode aderir ao abaixo-assinado no link https://tombeaserradocurral.com.br/

Jorge Fernando dos Santos

A exploração de minério na Serra do Curral é um dos maiores atentados que se pode praticar contra a natureza, a paisagem e a qualidade de vida em Belo Horizonte. Alheio a isso, o Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam), órgão ligado à Secretaria de Estado do Meio Ambiente, aprovou a atividade mineradora em pleno cartão postal da cidade.

O absurdo se deu numa reunião tumultuada, que se arrastou por várias horas da última sexta-feira (29/4), terminando na madrugada de sábado. Mesmo depois das catástrofes de Brumadinho e Mariana, provocadas pelo rompimento de barragens de rejeitos, foram oito votos favoráveis à mineração na Serra do Curral, com apoio do governo Zema e da Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg).

Foto: Eliza Peixoto/Santa Tereza Tem

Entre as 12 entidades representadas na reunião, apenas o Ibama, a ONG Fundação Relictos e as associações de Proteção Ambiental (Promutuca) e de Engenharia Sanitária e Ambiental (Abes-MG) negaram-se a aprovar a proposta indecente.

Várias ações já foram abertas na Justiça, contestando a decisão. A ficar como está, o resultado da votação dá à Taquaril Mineração S/A (Tamisa) o direito de cravar suas garras no coração da serra, onde pretende instalar um complexo industrial. O início da atividade depende agora de uma autorização específica do próprio Copam.

Desastre anunciado

Segundo o movimento “Tira o pé da minha serra”, criado por representes da sociedade civil e organizações de defesa do meio ambiente, o empreendimento da Tamisa deverá retirar 31 milhões de toneladas de minério de ferro da Serra do Curral num período de apenas 13 anos.

As consequências serão desastrosas sob vários aspectos. Além de trazer risco hídrico para a população belo-horizontina, a iniciativa deverá causar deslizamentos de terra, destruição de áreas verdes e a extinção de quase 40 espécies de plantas e animais. Sem falar na poluição atmosférica e sonora em alguns bairros da capital, além de danos irreversíveis à paisagem.

Por detrás da Serra do Curral Foto: Gilson Reis

Principal responsável pela decisão do Copam, o governador Romeu Zema (candidato à reeleição) se coloca mais uma vez como inimigo do meio ambiente e da qualidade de vida dos mineiros. Vale lembrar a autorização concedida por ele à Heineken, no ano passado, para montar uma fábrica de cervejas em Pedro Leopoldo. A iniciativa colocaria em risco o manancial hídrico da região e um dos maiores acervos arqueológicos do planeta. Felizmente, várias entidades se mobilizaram a tempo de evitar o pior.

Da idade do planeta

Para quem ama BH, é quase impossível imaginá-la sem a Serra do Curral. Trata-se do principal símbolo da cidade, cartão postal desde sempre. Símbolo este esculpido pela natureza há cerca de dois bilhões e 400 milhões de anos, segundo geólogos. Prova disso seria o fato de terem sido encontrados na região fósseis de micro-organismos que remontam ao início da vida na Terra.

Dona de imponente beleza, a famosa serra – que em priscas eras já foi coberta pelo mar e pelo gelo da era glacial – constitui-se de um paredão rochoso comprido e curvilíneo, coberto de musgos e vegetação típica adaptados ao solo ferroso. Sua beleza já inspirou poetas e compositores, como Carlos Drummond de Andrade, Ladston do Nascimento, Maurício Tizumba, Murilo Antunes, Thiago Delegado e o carioca Edu Krieger. Sobre ela, Luis Giffoni escreveu um livro para a série “BH – A cidade de cada um”.

Do mirante plantado no seu ponto mais elevado é possível contemplar o horizonte belo que deu nome à metrópole, inaugurada em 1897 para ser a capital republicana dos mineiros. Olhando para o Norte, a vista se perde nos rumos da Cidade Administrativa e do Aeroporto Internacional Tancredo Neves, construído nos confins da paisagem.

Tombamento estadual

A Serra do Curral já era tombada na década de 1960, quando o regime militar exigiu que o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) liberasse o lado de Nova Lima, visando com isso beneficiar a atividade mineradora.

O resultado da desastrosa decisão está lá, para quem quiser ver. Hoje, a serra é tombada e conservada apenas do lado de BH. Além de entrar na Justiça contestando a decisão do Copam, ambientalistas lutam para tombá-la junto ao Instituto Estadual de Florestas (IEF).

Uma vez reconhecida como patrimônio do Estado, a serra estaria protegida contra a ganância das mineradoras. De autoria do deputado Mauro Tramonte, a PEC do tombamento está parada há vários meses na Assembleia Legislativa. Quem quiser reforçar a luta pela sua aprovação pode aderir ao abaixo-assinado no link https://tombeaserradocurral.com.br/

Jorge Fernando dos SantosJornalista, escritor e compositor, tem 46 livros publicados. Entre eles, Palmeira Seca (Prêmio Guimarães Rosa 1989), Alguém tem que ficar no gol (finalista do Prêmio Jabuti 2014), Vandré – O homem que disse não (finalista do Prêmio APCA 2015), A Turma da Savassi e Condomínio Solidão (menção honrosa no Concurso Nacional de Literatura Cidade de Belo Horizonte 2012)

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