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Santa Tereza Tem Memória: Escola Branca de Neve

Santa Tereza Tem Memória: Escola Branca de Neve e Tia Dulce

Reportagem: Eliza Peixoto – Fotos: arquivo da família.

A história de Santa Tereza guarda pérolas,  como por exemplo,  a implantação da primeira escola maternal de Belo Horizonte, a Branca de Neve, à Rua São Gotardo, 71. Quem conta a história é a tradutora juramentada de inglês, Dulce Castro, que tem o mesmo nome de sua mãe, a fundadora da escola, e que reside na mesma casa, onde centenas de crianças do bairro aprenderam as primeiras letras.

A Escola foi fundada em 8 de maio de 1954, pelo jovem casal José Thomaz de Castro e Dulce Silveira de Castro, após o nascimento dos três filhos, Thomaz, Paulo e Dulce.  O primeiro local de funcionamento foi à Rua Mato Grosso, 819, no Santo Agostinho. E o slogan era: “Desejamos que esta escola seja o prolongamento do Lar para seu filho”.

Em 1956, começou a construção da sede-própria em Santa Tereza e em 1957 deu-se a inauguração. Na parte da frente residia a família e atrás foi construído um sobrado para a escola, que aceitava crianças a partir de três anos de idade, uma novidade para a época. Entretanto, José Thomaz não participou da inauguração, pois faleceu em 1956 e Dulce enfrentou sozinha, não só a criação dos filhos, mas todo o processo de instalação e gestão da escola.

Dulce Castro, a filha, conta que “vinham crianças de outras partes da cidade. Cada aluno tinha uma caderneta escolar com diversas observações anotadas à mão, inclusive sobre o comportamento. Ao terminar o 3º período, era realizada a solenidade de formatura com os alunos em traje de gala, no Cine Santa Tereza”.

Dulce Castro, a filha – Foto: Eliza Peixoto

Em 1961, a Escola passou a ministrar o Curso de Admissão preparatório para os exames de ingresso do aluno nas escolas estaduais, na antiga 1ª série ginasial. Os mais a plicados eram agraciados com bolsas de estudo.

 A Escola Branca de Neve era repleta de inovações pedagógicas, como teatro de fantoches e de sombras, cineminha, festa de cívicas e juninas, atividades de desenho, modelagem, entre outras. Sempre atenta às crianças e adolescentes, a “tia Dulce”, muita dinâmica e sempre disposta, promovia horas dançantes nos espaços de sua casa e escola. Foi responsável pela criação do time de futebol do bairro, campeonato de pingue-pongue e muitas outras atividades para os ex-alunos e jovens da região.

Formatura da turma de 1962, no Cine Santa Tereza, com a presença do então deputado federal Gustavo Capanema

Em 1980, a Escola “Branca de Neve” foi transferida para a cidade mineira de Piumhi, onde funcionou sob a responsabilidade do filho Thomaz e sua esposa Ana Cristina. Em 1983, foi doada ao Município, onde funciona até hoje.

Dulce da Conceição, a tia Dulce, mulher pioneira

A professora Dulce da Conceição Silveira de Castro nasceu São João Del Rei em 1920. Em época em que a maioria das mulheres cuidava apenas da casa, ela, além de educadora, empresária, exercia a cidadania de forma atuante.

Sua filha Dulce comenta que “foi a mulher mais corajosa e brilhante que conheci. Casou com o homem que amou e já tinha ideia da educação como transformação social. Era inovadora, criativa e estudiosa. Em 1936, aos 16 anos foi convocada pelo então Secretário de Educação, Dr. Cristiano Machado para vir para Belo Horizonte cursar a Escola de Aperfeiçoamento Pedagógico, onde estudou com a psicóloga e pedagoga Helena Antipoff e a escultora belga Jeanne Louise Milde”.

A generosidade fazia parte de seu caráter e, em 1965, Dulce criou a “Assistência Nossa Senhora Auxiliadora” para prestar ajuda a famílias carentes.

A instituição foi declarada de utilidade pública e recebia doações dos EUA (pelo programa Aliança para o Progresso). Mobilizava a comunidade e conseguia doações da padaria, onde é hoje o Pedro Padeiro, e da fábrica de macarrão Santa Amália, que distribuía para 30 famílias pobres, nas dependências da Escola, aos sábados. Ensinava hábitos de higiene às “assistidas” e as orientava na busca de uma vida melhor. “Minha mãe organizava também campanhas de doação, sendo que eu era a responsável por recolher roupas para gestantes e bebês. Para mim, adolescente, era pagar um mico só”, relembra Dulce.

Imagem doada pelo governador de MG Magalhães Pinto, em 1960, preservada no mesmo local.

Dulce comenta ainda que “em uma época, em que não havia água encanada na rua, nós duas, para espanto do povo, saíamos pichando os muros com a frase “Queremos água””.

Tia Dulce viveu até aos 85 anos, falecendo em 2005, mas deixou tudo registrado e organizado, o que possibilitou a seus filhos Dulce e Paulo reconstituir toda esta história de amor do casal e determinação em prol da Educação Infantil em um documento digitalizado com fotos e vários outros documentos, que pode ser acessado clicando aqui

Depoimento de Sérgio Henrique ex-aluno

Sérgio Henrique de Sousa ex-aluno Escola Branca de Neve e atualmente morando no Rio de Janeiro, nos enviou o seguinte depoimento:

“Em 8 de março de 1961, dia do aniversario de meu pai José Candido de Souza, hoje com 98 anos, eu passaria a conviver por longos anos com a minha eterna Tia Dulce. Na época minha família morava à Rua Conselheiro Barbosa, 25.

Nas observações do meu primeiro diploma, uma obra de arte artesanal, Tia Dulce discorria sobre minhas fortes tendências artísticas musicais. Tanto que mais tarde estudei acordeon, piano, violão, canto e  desenvolvi a arte teatral, atuando, escrevendo e me aventurei em outras coisas do teatro, isso, detectado pela sagaz Tia Dulce.

Sérgio Henrique

Pessoa impar, que nos foi importante, o Idalmo, ajudava na disciplina. As mães, D. Aparecida, do Amúlio e a minha, Algecira, também ajudaram a Tia Dulce. Ela era uma líder em Santa Tereza, aliás, nossos pais foram pessoas importantes, que ajudaram muito o bairro, tendo a Branca de Neve como centro de tudo.

A casa, quase intocável, guarda boas recordações e na sala de aula alguns móveis ainda existem. Relembro a árvore, que decorávamos com casca de ovos na época da Páscoa, a “sacola de encosto” nas costas das cadeiras, onde guardávamos escova de dente, dentifrício, pente, saboneteira e toalha de mão, tudo marcado com o nosso nome, e o nosso uniforme de gala e tantas coisas boas. Uma imagem de Nossa Senhora Auxiliadora ainda está lá e nos acompanha desde que entramos na Branca de Neve.

Tive a sorte de visitar Tia Dulce por anos a fio, infelizmente em sua partida não estava presente, mas tive a alegria de em uma ultima visão, ouvir mesma voz, sentir o carinho que tinha com cada aluno. Tornamos adultos, mas ela sempre será a nossa primeira e única mestra a nos orientar desde os nossos primeiros passos”.

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