Santa Tereza tem memória: A casa amarela - Santa Tereza Tem
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Santa Tereza tem memória: A casa amarela

Santa Tereza tem memória: A casa amarela da Rua Mármore

(Reportagem feita em 2017 – Ele morreu de covid em 2020 e a esposa faleceu em 2021)

A casa amarela, que completa este ano um século, com certeza, já foi coberta por várias cores. É um belo exemplar da arquitetura no início do século XX com seu acolhedor alpendre e flores ao margeando a escada. Se casa falasse, esta teria muita coisa pra contar sobre história de Santa Tereza.

Construída entre 1914 e 1918, em um ponto central do bairro, Rua Mármore, 613, guarda a memória da família de Geraldo Fernandes Correa e de Santa Tereza. Ele, que mora atualmente com a esposa Iada  nos fundos da casa amarela, conta a historia dela, que se confunde com a sua.

Bancário aposentado, aos 84 anos, Geraldo ainda continua na lida, agora como vendedor de doces, cebola e alho para o comércio de cidades do interior.  Ele não esconde que faz malabarismos para preservar o imóvel, tombado, com a sua aprovação, pelo Patrimônio Histórico.  A luta passa pela falta de dinheiro, problemas com herdeiros e com o vandalismo, obra de frequentadores do bar vizinho.

A casa foi construída por seu pai, Luis Benedito Santos Correa, quando casou com Nair Tavares Correia.  “Aqui nasci e vivo até hoje. Quando eu tinha oito meses, minha mãe, Nair, foi atropelada pelo bonde e morreu bem aqui em frente. Meu pai casou de novo, ganhei outra mãe, Maria de Lourde, mais irmãos e  nunca mudamos.  Ele e minhas duas mães morreram aqui. Tenho muito carinho por esse lugar”, comenta ele, emocionado, admirando a nova pintura.

Lembranças de Santê

Da varanda ele conta que acompanhou as transformações do bairro. “Aqui em frente ficava o bar do Geninho; onde é o posto, na esquina de Mármore com Estrela do Sul, era uma casa e na frente funcionava o açougue do Valdemar; havia também a loja de tecidos do seu Naún, no número, 647 e tinha a Padaria Nova Aurora, que foi do meu sogro”, lembra ele.

Ele comenta que “são inesquecíveis o Recanto da Seresta, o Clube dos 50, onde sempre havia baile e se brincava carnaval, o Bloco dos 50 e Banda Santa. Quanta saudade”! E o cinema a gente ia muito, mas, depois de reformado, ainda não fui. Qualquer dia eu vou, mas sempre tem gente dormindo na porta”.

Com os cachorros antes da reforma, sempre observando a vida da Mármore

Ele relembra o tempo de criança no bairro: “era uma farra só. A gente brincava na rua de nego fugido, Bentes altas, bolinha de gude, pula toco, jogo de botão.  A luz acabava as 10 horas da noite e só aí a gente voltava pra casa. Era uma época de inocência e os amigos eram amigos de verdade. Vida mais linda, a de criança”.

Restauração

Geraldo está encantado com a pintura da casa na cor amarela, escolhida por ele. Sobre a reforma, ele comenta que “tivemos de cortar a árvore em frente, pois estava prejudicando a estrutura. Dei um trato simples, pois uma reforma total custaria muito dinheiro. Fiz a pintura e refiz o muro, que foi quebrado por frequentadores do bar ao lado. Não ficou igualzinho ao que era. Para isso eu teria de encomendar as peças, cada uma no valor de 60 reais. Só a pintura e a reforma da frente ficaram em R$4.300,00”.

Geraldo preocupa=se com a preservação da casa

“É preciso trocar o telhado, reformar as janelas, consertar o piso e fazer a pintura interna. Mas mesmo assim, estou muito feliz. Deu outra vida à casa”, diz ele. E realmente o Geraldo tem razão. A casa, que estava escondida sob a folhagem de uma grande árvores, apareceu e deu um toque especial e charme à Rua Mármore.

Vandalismo

A questão do vandalismo e do desrespeito com o patrimônio, especialmente por parte de alguns frequentadores do bairro é um problema que o bairro enfrenta. É uma questão de educação e não é solucionado pelo poder publico.

Ele reclama do muro secular que veio abaixo, no dia em que um cliente do bar, Armazém Santa Tereza, subiu nele. Isto sem falar da música alta, que rola até a madrugada e atrapalha o sossego, especialmente de sua mulher Iada, que em razão da doença não sai mais da cama. “É difícil conviver com isso. Jogam guimba de cigarro na garagem, lixo e já sujaram a nova pintura do muro”, lamenta.

Geraldo e Iada

“Vi Iada pela primeira vez com 14 anos, quando ela, o pai e as irmãs vieram conhecer a padaria Nova Aurora, aqui em frente, e que foi comprada por eles. A gente se casou, eu com 19 e ela com 17 anos e os nossos pais tiveram que assinar a permissão. Temos duas filhas e quatro netos, sendo que dois foram criados aqui e são como filhos.”

O grande prazer do casal, Geraldo e Iada, era assentar no banquinho junto à mureta com as três cachorrinhas, apreciando o movimento da rua, especialmente no carnaval, quando as filhas e os amigos, vinham para assistir os desfiles dos blocos de rua e tomar uma cervejinha. Desse lugar privilegiado, de camarote, eles viram correr o tempo e a história desse pedaço de Santa Tereza. “Infelizmente a Iada adoeceu, está de cama há alguns meses e não dá mais pra ficarmos juntos olhando o movimento”, fala com tristeza.

Iada, quando ainda estava com saúde, era a companheira de Geraldo na varanda

Apesar da Iada não sair mais, ele continua mantendo o hábito de estar no banquinho. “Eu fico aqui, passa um conversa, passa outro conversa. Conheço todo mundo, mas muita gente foi embora e outros passaram para o outro lado. E a gente vai vendo as coisas mudando. O movimento da rua aumentou, o bonde deu lugar aos ônibus e carros”.

Bem humorado e de bem com a vida, ele fala rindo: “Eu estava na janela desta casa e comecei a olhar aquela moça bonita do outro lado da rua e estou olhando até hoje”.

Luis Benedito Corrêa Santos

Luis Benedito Corrêa Santos, pai de Geraldo e construtor da casa amarela,  destacou-se em Santa Tereza pela sua índole voluntária e solidária. Construiu com recursos próprios, em 1953,  o casarão na Rua Raimundo Nonato, 220, para abrigar mães solteiras, na década de 50. Mais tarde ele doou o imóvel para a PBH. Lá também funcionou a Febem e atualmente é sede da creche Núcleo Infantil Maria Cândida Correa, gerida pela Fundação Espírita Maria Cândida Correa. Geraldo comenta que “meu pai levava tão a sério a caridade,  que naquela época, lá no abrigo havia geladeira, coisa que nós não tínhamos em casa”.

Creche Núcleo Infantil Maria Cândida Correa,

Do pai ele tem boas recordações: “Meu pai criou 15 filhos, entre os de sangue e os adotados. Na época os pais batiam nas crianças, mas ele nunca bateu na gente. Ele gostava de ajudar os mais pobres e matar a sua fome e havia dia em que cozinhava pra mais de 50 pessoas. Uma coisa que lembro é que ele  sempre levava café com pão na estação,  para o povo pobre do norte, q ue chegava de trem de Montes Claros. E no Natal havia fila na porta de casa, porque ele mesmo fazia os brinquedos e distribuía para as crianças pobre”.

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