Artigo: Um dia sem as mulheres - Santa Tereza Tem
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Artigo: Um dia sem as mulheres

Artigo: Um dia sem as mulheres

Larissa Peixoto*

O sistema eleitoral dos Estados Unidos é bem estranho. Apesar de ter tido mais votos, Hillary Clinton não foi eleita. Em seu lugar, foi eleito Trump, homem que passou toda sua campanha fazendo os comentários mais racistas, machistas e ofensivos contra até deficientes físicos. Quando emergiu uma gravação (feita anos antes) em que ele se gaba de assediar fisicamente mulheres agarrando suas vaginas e que ele fica impune por ser famoso, nada aconteceu. Ele foi defendido por vários homens e está lá, presidente e detentor de um dos maiores arsenais do mundo. Retirando financiamento estadunidense de ONGs internacionais que ajudam mulheres no mundo todo.

Indignadas, mulheres nos EUA e mundo afora saíram às ruas. Milhões delas. A maior marcha que já se viu. Milhões de homens se juntaram a elas. Das pessoas mais anônimas às mais famosas, todas se juntaram para mostrar que o machismo não tem mais vez.

Esse machismo que mata. Eu nem vou falar de diferença salarial, de reforma da previdência, de trabalho doméstico, de assédio na rua, de gaslighting (torcer e retorcer uma situação até a mulher achar que está louca), de mansplaining (explicar algo que uma mulher está cansada de saber como se ela fosse criança porque presume que ela não sabe nada), de maninterrupting (constantemente interromper uma mulher quando ela fala).

Eu vou falar de estupro. Eu vou falar de feminicídio. Eu vou falar das três irmãs assassinadas no Sul. Eu vou falar da mulher deixar de sair por medo. Vou falar de andar com as chaves entre os dedos, “só para garantir”. Vou falar da mulher acordar sangrando sem saber onde está, chegar na delegacia e lhe perguntarem “mas roupa você estava usando?”. Vou falar de chegar à delegacia roxa, com ossos quebrados, o olho fechado de hematoma e perguntarem à vitima “mas o que você fez? Tem certeza que quer fazer a queixa?”. Vou falar de quem passa anos sendo ameaçada, violentada, estuprada, abusada, ter seu dinheiro tomado, sua dignidade destruída e quando finalmente toma coragem, não tem medida protetiva, não tem policial, não tem botão do pânico, não tem oficial de justiça, não tem rapidez não tem justiça. Eu vou falar de não ter direito sobre o próprio corpo, de não acesso à saúde, de precisar de um aborto e não ter dinheiro, morrer em uma clínica clandestina e ter seu corpo queimado porque ofende a religião dos homens. EU VOU FALAR DA ELIZA SAMÚDIO. Eu vou falar de uma mulher que foi assassinada, esquartejada, teve seu corpo desaparecido e agora seu assassino anda livre, famoso, adorado, empregado, endinheirado. Ser machista dá dinheiro. Ser machista dá presidência. É lindo demais ser machista. E eu cansei de ser educada, cansei de explicar com paciência, cansei de meias palavras.

Por isso, no dia 8 de março, Dia Internacional das Mulheres, eu vou parar, junto com as outras mulheres do mundo. Eu vou usar roxo. Eu não vou comprar nada. Eu não vou lavar vasilha. Eu não vou arrumar cama. Eu vou para rua mostrar que eu existo e não vou ficar calada. Eu vou falar por quem não pode. Eu vou parar por quem não pode. Eu vou lembrar das minhas irmãs que se pararem, serão demitidas, e precisam do emprego para criarem seus filhos, filhos que criam sozinhas. Eu vou lembrar das minhas irmãs negras, que morrem em taxas muito maiores, nas mãos de seus maridos-algozes. Eu vou lembrar das minhas irmãs indígenas, que protegem suas terras todo dia, invisíveis aos nossos olhos urbanos, sendo estupradas e assassinadas. Eu vou lembrar das minhas irmãs da roça, que trabalham duro, para sobrevivem ao rolo compressor do agronegócio. Eu vou lembrar das minhas irmãs e irmãos trans, que foram e são brutalmente assassinados neste país hipócrita. Eu vou lembrar das minhas irmãs pobres, que não tiveram acesso à educação sexual, que não tiveram acesso à saúde, que nem clínica clandestina tiveram e que morreram tentando fazer um aborto porque sem o aborto também não iriam sobreviver.


No dia 8 de março, pare se você puder parar. Grite, se você puder gritar. Vá ao evento na Praça da Liberdade, às 15:30 (https://www.facebook.com/events/1087386604703957/).
Homens, coloquem suas amigas nos ombros, lhes deem suporte para que elas consigam atingir mais pessoas. Por todas nós. Que sofremos com o machismo todos os dias, em suas muitas variantes. Que já vimos nossas irmãs sofrerem com o pior que o machismo tem para oferecer. Que já perdemos alguém por causa do machismo.

https://www.8mbrasil.com

https://www.facebook.com/events/1846507865622383/

“Sugerimos uma forma aberta de protesto. Tudo depende de suas decisões:

– Vista uma peça de roupa ou adereço da cor lilás com símbolo de participação no movimento. Ou coloque uma bandeira da mesma cor na sua janela ou no carro

– Pare por um dia as tarefas domésticas como: cozinhar, limpar, cuidar

– Interrompa as atividades laborais remuneradas por toda uma jornada

– Caso não consiga, pare no seu trabalho durante a Hora M, que será definida localmente. Algumas cidades brasileiras adotarão o intervalo de 12h30 a 13h30.

– Durante a Hora M, reúna-se com suas colegas de trabalho para conversar sobre a desigualdades que afetam a todas as mulheres

– Saia às ruas para protestar junto a outras mulheres no horário definido localmente em sua cidade”

* – Doutoranda em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais

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