Primeira crônica a Santa Tereza - Santa Tereza Tem
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Primeira crônica a Santa Tereza

*Por Brenda Silveira

São cinco da manhã. O dia já mostra sua cara na luz que começa a se esgueirar entre os desenhos da cortina de croché feita por minha mãe. Da janela entreaberta ouço os primeiros passos apressados. Passos de trabalhadores pontuais. Ouço o trem que passa ao largo, pela janela dos fundos.

Santa Tereza começa a acordar de sua famosa boemia etílica noturna. Passa o ônibus, passam carros, passam motos. Santa Tereza já se enche de vida. O sol surge atrás da enorme árvore da janela.

A vida em Santa Tereza é pujante e peculiar. A rua, que é Mármore, abriga de tudo, um pouco.Tem o comércio do Roque que lembra as vendinhas da minha infância. Tanta coisa, tanta coisa, tanta coisa. 360 graus de coisas úteis e inúteis. Tem açougue, tem lotérica, tem supermercado, tem padaria, tem birosca, tem estúdio musical, lavanderia, produtora de cinema, ateliê de ceramista, aula de pintura, barbearia, loja elétrica, pastelaria, salão de beleza, sorveteria, tem pracinha e, na pracinha – tem cinema e Igreja.Tem lugar de pecar e de pedir perdão.

O Clube da Esquina, Santa Tereza tem. De dia, Santa Tereza “quenta”, venta e de noite “isfria pá daná”. As calçadas são estreitas mas, honestas o suficiente para meus pés cansados. Tudo pertinho demais. Pela rua vejo muitas casinhas com flores, cachorrinhos e balangandãs nas janelas. Penso, sinto que – o maior patrimônio que guardam – são seus próprios moradores.

O pessoal de Santa Tereza é gente boa. Transmite, até mesmo aos forasteiros ou recém chegados, uma intimidade inconfessável. Em Santa Tereza não preciso me aprontar para ir ao supermercado. Aqui as pessoas não olham seu corpo, sua roupa. Olham nos olhos e dão bom dia, boa tarde, boa noite.

De dia, Santa Tereza é quase um paraíso. A noite, um limiar entre o céu e o inferno. A brisa é fresca e dá pra ver as estrelas no céu. Mas, do meio da semana pra frente, mal o sol se deita, as mesas tomam conta das calçadas e o povo começa a chegar. São risos, gritos, vozes alegres e nervosamente bêbadas nas calçadas. Passam carros, passam trupes de bikes noturnas.

Os velhos tentam dormir. Os não tão velhos bebem seus sonhos, aventuras e desventuras, nas esquinas das ruas. Depois o silêncio. O alarme e o trombadinha, arrombador de carro. Da janela lateral vejo a serra do curral e suas milhares de luzinhas. Ocupação centenária dos esquecidos, historicamente, pela cidade oficial.

Santa Tereza é assim. Antiga e moderna. Tradicional e vanguardista, jovem e velha. Abusada, bacana, descolada, tatuada e transgressora. Ainda não ouvi o sino da igreja.

Se essa rua fosse minha, eu mandava ladrilhar, com pedrinhas de Quimberlita, só pra ver você chegar.
Santa Tereza é inspiradora.

*Brenda Silveira é jornalista e moradora de Santa Tereza.

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