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Bolão, o cidadão de Santa Tereza

 É o cidadão Bolão, e não o restaurante, que ele tornou famoso pelo macarrão, que vamos apresentar na entrevista abaixo

Por Eliza Peixoto texto, fotos, vídeo

José Maria Rocha, figura icônica de Santa Tereza, no cartório, e Bolão para todos, nasceu em 13 de abril de 1949, em uma casa à Rua Mármore, filho de José da Rocha Andrade e Maria dos Passos Rocha, em uma família de 9 irmãos: Maria Isaura, Nadir, Antônio, Maria José, Marilda, Sílvio, José Maria, Terezinha e Márcia, 

Atleticano, ama doce, pão, bolo e macarrão (tudo que atualmente não pode comer) e Santa Tereza é sua paixão.  Trabalhou em bar por 48 anos. Começou aos 11 anos, ajudando os pais no bar Rocha& Filhos, e só parou devido a problemas de saúde causados pelo diabetes, como a perda de visão e de uma perna. E além disso, pra quem não sabe, é um artesão exímio, constrói miniaturas de casas em papelão.

Bem-humorado, sereno, dono de uma risada gostosa, batemos um papo, na casa de sua filha Vanessa Rocha, conversamos e rimos muito. A conversa ficou mais interessante com a chegada do seu amigo de longa data, o Paulinho Xisto, baixista da Banda Sepultura, que sabe de muita história sobre o Bolão.

Santa Tereza Tem: Quem é o José Maria Rocha?
Bolão: Eu me defino do jeito que me satisfaça.  Sou um cara trabalhador, não sou egoísta, não invejo ninguém. Adorava trabalhar, mas agora não dá mais. Mesmo assim tenho orgulho de mim, pois, trabalhei honestamente. Criei meus dois filhos com a minha ex-mulher. Fico satisfeito com isso.

STT: Você se considera feliz?
Bolão: Sou feliz, apesar de tudo. Sou grato a Deus e a minha família. Deus sabe o que faz com a gente. Tô nessa, de boa. O que posso fazer, além de enfrentar com bom humor? Brigar com os outros e comigo?  Eu procurei: bebi e fumei demais, sabia que não devia, mas eu fiz. As pessoas fazem suas escolhas.

STT: Como foi a infância do menino Bolão?
B: Pra ganhar uns trocadinhos e comprar doce, eu corria pra fazer serviços para as pessoas. Adoro doce. Comecei a trabalhar com 9 anos fazendo entregas em um armazém da rua Mármore e no armazém do Zezinho bicheiro, que não era bicheiro ainda. Meu pai abriu o Rocha & Filhos fui trabalhar com ele. Como eu estava sempre lá, o bar pegou o nome de Bar do Bolão.

STT – Como foi a infância do menino Bolão? E o apelido veio de onde?
B- Os meninos me chamavam de Bolão porque  eu era gordinho e bonitinho. Quem acha ruim esse negócio de apelido é bobeira.  A meninada brincava de manda rua, nego fugido, polícia e ladrão. As ruas eram tranquilas e minha mãe ficava sentada no passeio com as vizinhas, na Rua Mármore. E eu continuo aqui. Santa Tereza é minha vida!

STT: E a escola, o trabalho não atrapalhava?
B: Não e eu gostava de estudar, mas tenho só até o 4º ano. .Primeiro estudei foi na Escolas Unidas Santa Tereza, que era no lado esquerdo da igreja. Depois fui para a Escola José Bonifácio onde tirei o diploma e na formatura ganhei uma caneta, porque era o mais disciplinado da sala. (Risadas). Minha professora foi a Dona Maria Fragoso Borges, mãe do Lô Borges,

Os pais José da Rocha Andrade e Maria dos Passos Rocha/arquivo

STT: E como eram seus pais
B: Era gente boa demais! Minha, Nossa Senhora! Era um anjo e cozinhava bem demais. Meu pai era muito querido, apesar de xingar todo mundo! Contava piada, sorria gostoso! Era o rei da sinuca e do bilhar. E ele me largava no bar e ia jogar na sinuca do Juventino, na parte de baixo do Recanto da Seresta.

STT: E a arte de cozinhar, aprendeu com quem?
B: Ninguém me ensinou. Eu ficava olhando e depois fazia. Tinha um cara, que de vez em quando fazia frango ao molho pardo e pé de porco no bar e eu olhando.  Então fui fazer o pé de porco e quase pus fogo na cozinha, esqueci a panela no fogão. Aprendi tudo sozinho.

STT – E como surgiu o Espaguete?
B: Eu gosto muito de macarrão e como quase todo dia. Antes do macarrão era vendido só os salgadinhos, feitos pela minha mãe e minha irmã. Vinha gente de longe comer o enroladinho de salsicha, pastel português, croquete, empada, coxinha, uma delícia! Tinha também a carne cheia, salsicha, dobradinha. Isso foi na Praça Duque de Caxias 39.

Nos bons tempos do bar / foto acervo da família

Em 1966, a gente mudou para o outro lado da Praça. Não foi fácil. Eu e meu irmão Antônio trabalhamos muito. Então comecei a variar a comida. Fazia pescadinha e sardinha fritas e bife a palito em um liquinho de uma boca. Depois comprei um fogão de duas bocas e mais tarde um de quatro.  O médico Antônio Pasqualini Furtado, com uns estudantes de medicina, chegava de noite no bar e não tinha mais nada para comer, então comecei a fazer o macarrão pra eles. E tinha também um grupo de militares, que sempre vinha ao bar.  Antes disso, havia um bar, na Rua Estrela do Sul, famoso pelo macarrão.  O cara fechou o bar e os fregueses de lá pediram pra eu fazer espaguete. Então eu mesmo comecei a preparar o molho e a fazer o espaguete.  Agora eu vou ensinar a receita do molho pra minha filha Vanessa, minha sucessora.

Homenageado em 2006 com “Colar do Mérito Legislativo Municipal Raymundo Cândido/ arquiva da família

STT –  Por falar em filha, como é o Bolão pai e avô?
B- Gosto de levar as coisas mais leve e na brincadeira com eles. Esse negócio de ficar brigando, enchendo o saco, ainda mais dos filhos, não tá com nada. O Vitor e a Vanessa cresceram, sabem o que estão fazendo. E, Nossa senhora! Sou um avô babão. Esses netos e netas eu gosto deles demais! Passo a mão na cabeça mesmo, não gosto, que xiguem eles!

STT: Você dever ter feito muitas amizades no bar. O que é a amizade?
B: Ai que amizade é fogo! Eu tinha muitos amigos mesmo, mas parece que depois que fiquei doente, sumiu muita gente. Também não vou mais no bar, onde eu conversava com muita gente.  Tive amizades, mas isso muda, as pessoas vão desaparecendo, morrendo muita gente, credo! Qualquer dia a gente tá indo também.  Mas uma que dura, é o Paulinho, apesar da diferença de idade de 20 anos. Ele e a família sempre me consideraram muito. Tem também o Paulo Emídio do Skank.

STT: Por falar em Paulinho, o  que os meninos do Sepultura aprontavam lá no Bar?
B- Eles não tinham dinheiro para o macarrão, então eu inventei o pão molhado. Era o pão dormido, que sobrava do café da manhã dos taxistas, com molho. Eles eram bons meninos, comiam o pão molhado, que era mais barato, bebiam, não amolavam.

STT: É verdade que foi você que comprou o primeiro disco deles?
B: Um dia eles chegaram no bar naquela alegria com o disco debaixo do braço. Então comprei o disco e pensei, se eles ficarem famosos, vou ganhar dinheiro com esse disco. Mas uma empregada lá de casa roubou umas coisas e o disco!

STT: Das pessoas que já foram no bar na sua época, quem marcou presença?
B: Importante pra mim é todo mundo, pode ser pobre ou milionário, porque a gente precisa de todos. O Lô Borges, ia muito lá. Tem o pessoal do Skank, o Pato Fu e outras bandas que não lembro o nome. O cantor Sérgio Reis.  O prefeito Mauricio Campos, levado pelo Luis Góes, fiquei numa satisfação, que deu até dor de barriga. Teve também o Elizeu Rezende, que bateu um pratão de macarrão.

B:Você se arrepende de alguma coisa?
b: Eu nunca me arrependi de nada, fiz porque quis e pronto! Nem de ser atleticano eu me arrependo. É meu time de coração.

STT: Você tem alguma preferência musical?
B: Gosto de qualquer música, muito do Sérgio Reis e do  rock pesado do Sepultura. Tenho de gostar, pois meu amigo é roqueiro da pesada!

STT: Você frequentava outros bares?
B: Eu gostava muito de boteco. Ia ao Temático e no Bar do Nivaldo. Eu adorava uma Bhrama gelada e um cigarrinho Free. Mas o trabalho no bar não dava muito tempo. Era tipo 12 horas ou mais direto.

STT: Você tem um conselho pra quem quer trabalhar com bar?
B: Não mexa com isso, gente! (Risadas) É muito difícil, vida de bar é prisão, tem que gostar muito. E você tem de estar à frente do comércio. Outra coisa é que não aconselho é sociedade, é complicado. 

Amizade sem fim

A amizade entre Bolão e Paulinho Xisto começou ainda quando o baixista do Sepultura era adolescente. E a partir daí só cresceu. Bolão comprou o primeiro disco do Sepultura e se tornou um amante do rock, porque como diz ele “meu amigo é um roqueiro da pesada”

Paulinho conta que tentou levar o Bolão para ser o chef da banda em suas excursões, mas ele não quis, por duas razões: medo de avião e porque sair de Santa Tereza não está em seu programa. “Minha vida é Santa Tereza”, diz Bolão.

Interessante é que toda vez que Paulinho vinha a Belo Horizonte trazia de presente para o amigo uma faca. Com isso o Bolão tem uma coleção de facas de vários países e diz que nunca usou nenhuma delas.

E essa amizade dura até hoje. E quando está de férias das turnês da banda, aqui em Santa Tereza, Paulinho nunca deixa de visitar o amigo.

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