Artigo Queima de Judas: A voz do povo - Santa Tereza Tem
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Artigo Queima de Judas: A voz do povo

Por Carlos Felipe Horta

Pena que pouco se estude, em nosso Brasil, a cultura do povo, o nosso folclore. Imagina-se o folclore, quase sempre, como coisa do passado, sem ver a força popular que nele se mostra, tanto na vida diária como em sua aplicação nos fatos comunitários e sociais.

Por isso mesmo não se enxerga a voz popular que se faz presente, por exemplo, na literatura de cordel, nos cantos “secretos” do candombe, nos ditados populares, nas linguagens ocultas, nas danças representativas de sentimentos escondidos e assim por diante.

Um exemplo maior está num folguedo que acontecia no dia de hoje, no antigamente chamado Sábado da Aleluia”, o “Julgamento e a Queima do Juadas”. Usamos o verbo no passado, pois esta tradição, por várias razões, está morrendo. Nele, numa condenação popular ao apóstolo que traiu Cristo por trinta moedas, as pessoas queimavam – ainda queimam em alguns lugares- um boneco representando Judas mas, na verdade, representando tudo e todos os que têm alguma dívida para com o povo.

A tradição vem de séculos como mostra esta pintura de Debret de 1823

Mesmo em tempos de redes sociais, em que, diariamente, com ou sem razão, fatos e pessoas são elogiados ou execrados, a Queima do Judas representa uma condenação feita pelo Juiz Maior de uma comunidade, o Povo, das pessoas e entidades com seus atos e coisas erradas.

Para tanto, antes da Queima se lê é Testamento do Judas em que, o apóstolo traidor vai deixando seus “bens”, cada um direcionado a uma pessoa e entidade, num gesto em que a justiça é exercida de maneira clara, com ironia, sarcasmo e uma profunda crítica.

Um momento em que uma comunidade exerce a sua função judiciária, numa atitude muito mais antiga, por exemplo, do que a gente está voltando a ver e ouvir nas marchinhas de carnaval. E sempre há personagens “julgados” no testamento. Pessoas comuns do dia a dia mas, também personalidades de vulto regional e até nacional. E o povo, quase sempre voz, aproveita para escolher seus “Judas”. E, este ano, quais serão? Personagens nacionais é que não faltam. É só acompanhar o noticiário e ver a bandidagem que aparece, com lugar para quadrilhas e milícias, presidentes, governadores, senadores, deputados, dirigentes de estatais, prefeitos, vereadores empresários poderosos e tantos e tantos outros, aos quais (uma pena dizer isso) vêm se acrescentando até personagens que nunca deveriam estar sendo julgados já que a sua finalidade maior é julgar. Juízes e magistrados, até supremos.

Dá até para pensar que nunca talvez na História do Brasil existiu tanto candidato a Judas para ser julgado, condenado, explodido e queimado no tribunal do nosso povo.… Já tendo redigido três “Testamentos de Judas” a pedido de comunidades, damos um testemunho. Neste folguedo, o povo exerce, alicerçado em provas incontestes, o seu lado julgador. Com ironia e alegria, mas consciente da importância de ser isento no momento de julgar.

PARA TERMINAR: Quem seria o seu Judas hoje?

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