Carnaval: “Branco é branco, preto é preto, mas”... - Santa Tereza Tem
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Carnaval: “Branco é branco, preto é preto, mas”…

Carnaval: “Branco é branco, preto é preto, mas”…, história do jornalista Symphronio Veigasobre o racismo, que, apesar de estar mais aflorado atualmente, vem de longas eras. Publicamos hoje, como uma reflexão,  no Dia da Consciência Negra.

No início da década de 70 trabalhava na TV Itacolomi, em BH, e fora convidado pelo editor geral da emissora, Estácio Ramos, para criar e comandar a equipe de telejornalismo da mais nova emissora dos Associados: a TV Uberaba (Canal 5), na cidade que lhe empresta o nome. Durante um mês antes de a emissora entrar no ar, em 9 de junho de 1972, treinamos os funcionários selecionados. O superintendente da TV Itacolomi, José de Oliveira Vaz, que coordenou a implantação da TV Uberaba, convidara para presidir a nova empresa o renomado médico uberabense e empresário bem-sucedido Renê Barsan, muito interessado pelas novas funções, participava de tudo. A emissora é inaugurada, seguida de uma missa e uma festa monumental num show espetacular de cantores famosos que lotou o Uberaba Tênis.

O novo Canal 5 possuía uma programação eclética e um jornalismo semelhante ao da TV Itacolomi com programas esportivos (Papo de Bola e Bola na Área), o Jornal do Almoço, a partir de meio-dia, e o Jornal do 5, às 7 e meia da noite. Cobríamos tudo, a TV Uberaba era o retrato vivo da cidade. E prestigiadíssima pela sociedade local. Na primeira fase, a TV Uberaba não possuía nenhum profissional com formação acadêmica jornalística. Apesar disso, foram consagrados pelo trabalho como os mais talentosos que passaram pela emissora. Entre eles, Ataliba Guaritá Neto, Adriana Cecílio, Ângela Terra, Maria Helena Barra, Luiz Gonzaga de Oliveira, Constantino Calapodópolus e os irmãos Zaydan, Jorge e Farah.

Chega o carnaval, planejada a cobertura, montado o esquema: Maurício de Oliveira como repórter, Itamar como cinegrafista e o nissei Kasue como auxiliar, equipe encarregada da cobertura das festas nos cinco ou seis clubes principais. Para cobrir o movimento nas ruas, outra equipe.

Os principais clubes enviaram convites para a cobertura de carnaval, menos o Jockey, seletivo clube que reúne entre seus associados representantes influentes da elite da cidade. Além das pautas minuciosas, a recomendação: Nos clubes, vamos dar espaço e tempo idênticos a cada um, cobrir os grupos de foliões mais animados, takes variados. Não beber bebida alcoólica, nem ofertada pelos clubes.

Jockey Club de Uberada onde o fato ocorreu / Uberaba em Fotos

Primeira noite, cobertura total, menos do Jockey Clube. Mas, porquê, eu quis saber. Não deixaram o repórter Maurício Oliveira entrar no salão com a equipe, me explicaram.

Nos dois telejornais, cobertura completa do carnaval de rua e nos clubes, menos no Jockey.”Parabéns pela cobertura, porém lamentável que o Jockey ficou de fora”, observou o dr. René, que chegava à emissora, guiando o seu Landau último tipo. – O repórter Maurício de Oliveira foi barrado e não insistiu para entrar, acatando as minhas instruções.

– E por que você não escalou o Paulo Nogueira? perguntou e saiu, entre uma baforada e outra do inseparável cigarro Charm, sem ouvir a minha explicação. No segundo baile a mesma coisa: a TV mostrando a animação nos salões dos clubes, menos no Jockey e o Dr. René pedindo fosse escalado o repórter Paulo Nogueira.

Na última noite, resolvi acompanhar a equipe e presenciei à distância da porta do clube o repórter sendo barrado. Pedi que ele aguardasse dentro do carro de reportagem e me apresentei ao porteiro do Jockey como chefe do jornalismo da TV, solicitando que apenas o cinegrafista Itamar e o auxiliar Kasue fizessem uns takes do salão. O porteiro perguntou se eram “só os dois”, eu disse que sim e incontinenti, muito solícito, disse “podem entrar” me convidando também para subir. Agradeci, o cinegrafista e o auxiliar entraram, preferi ficar aguardando dentro do carro com o repórter.

Na quarta de cinzas, o dr. René novamente elogiava a cobertura, observando que no caso do Jockey registrou-se apenas som ambiente e imagens do salão. “Pena que não fizeram reportagem com entrevistas no salão”, lamentou ele.

– De novo não deixaram o repórter Maurício de Oliveira entrar, disse-lhe.

– Também você é teimoso, deveria ter escalado o Paulo Nogueira, que é branco.

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