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Artigo: Somos todos trovadores

Artigo: Somos todos trovadores traz curiosidades sobre o que é ser trovador, no Dia dos Travadores

*Carlos Felipe Horta

Na idade média, algumas palavras se universalizaram. Como bardos, “trouvères”e trovadores. Séculos depois do fim da Grécia Antiga, estes personagens percorriam as estradas, fazendo versos e cantando de tudo, principalmente o amor e os feitos de heróis, como os aedos gregos, um deles chamado Homero que, coletando lendas e as transformando em versos, nos deixou duas obras-primas eternas, a Ilíada e a Odisséia.

Na Idade Média, estes “contadores” e cantadores coloriram de versos e cantigas as praças e sem eles, certamente, não teriam sido guardadas, lendariamente, histórias como a de El Cid Campeador, Robin Hood, Arthur e sua Távola Renda, com Lancelot, Guinevere e tantos outros personagens, sem falar no Santo Graal , as sereias mágicas do Reno, os mistérios dos templos construídos em cima de campos santos de druidas e magos. Mérlim foi um mas quem, nos tempos modernos, tem nas histórias de Axterix, um personagem “ironicamente” tratado, o bardo Chatotorix. Uma região européia, a Provença, no “Langue d’Oc” virou símbolo de trovadores mas em todo o continente eles existiram, lendária e historicamente e até reis, como o português Dom Diniz, exerceram o divino dom de fazer versos, cantar, trovar.

Herdeiros que somos de tudo isso, sem falar nos personagens que a Bíblia (lembremos David a cantar versos ao som da harpa) e outros livros sagrados, de todas as partes do mundo, nós, brasileiros, também trovamos. Somos bardos como Cego Aderaldo e Patativa do Assaré, versejamos a história de São Sepé e Guimarães Rosa transforma a velha “estória” lenda da mulher que se veste de homem num grande poema universal.

Assim somos, trovadores. Portanto, estamos no nosso dia. Hoje é o Dia do Trovador e não sei se está sendo lembrado, até mesmo, pelos nossos irmãos e colegas da Galeria Mineira de Trovadores. Não vamos deixar em passar em branco a data, mesmo porque é uma oportunidade de reverenciar bardos e trovadores que participaram e participam de nossa vida. Como nosso colega Olimpio Coutinho, várias vezes ganhador de prêmios com suas trovas, nosso irmão Téo Azevedo, um dos maiores repentistas e trovadores do Brasil; gente que já se foi como Zé da Grota, Caxangá, Peito Roxo, Vicente Lima, Bentinho (o do Sertão), o cônego Celso de Carvalho (autor da letra do Diamantina em Serenata e emérito trovador), Soares da Cunha, Austen Amaro (um poeta que Minas precisa redescobrir), Albertina de Castro Borges, Djalma Andrade, Cândido Canela (autor dos versos de Ternos Pingos de Saudade), Nilo Aparecido Pinto e tantos outros que cada um dos amigos que estiver lendo estas “simples palavrórios” vai se lembrar.

Mas não podemos deixar de lado pessoas que, não muito conhecidas por seus versos, no entanto, foram eméritos “bardos”. Como Ayres da Mata Machado Filho que, no seu antológico “Dias e Noites em Diamantina” verseja lendas, tratados e teses como se fossem quadrinhas de românticos desafios.

Aliás, a trova sempre fez parte de desafios poéticos, uma tradição que veio da Idade Média e encontrou, no Brasil, um ninho fértil e prolífico. Não é mera coincidência que, no meio do povo (era assim em minha Santa Cruz das Areias e Capetinga) exista o verbo “truvar” como sinônimo de disputa e luta. Outro trovador que, de vez em quando, deixava escapar seu o seu estro trovadoresco, principalmente nas palestra, era Saul Alves Martins que, a propósito, completaria cem anos em 2017, se vivo estivesse. Nem é preciso dizer a obrigatoriedade disso ser dignamente lembrado. Nossa! Tenho certeza que já escrevemos demais. Coisas que acontecem quando a gente ama o que faz. E, nascido que somos, filho de dois “trovadores” naturais, escrever sobre isso é um pouco como respirar.

Afinal, “trovar é fundamental à vida, como é fundamental o amor. Sem versos brotando em sua boca, não há sentido a vida do trovador”.

*Carlos Felipe Horta é jornalista, folclorista e escritor

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