Nilson Azevedo, o chargista mineiro - Santa Tereza Tem
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Nilson Azevedo, o chargista mineiro

Nilson Azevedo, o chargista mineiro, de Raul Soares para a capital

Por Eliza Peixoto – 2015

Em 30 de janeiro é comemorado o Dia Nacional da História em Quadrinhos. A data foi instituída pela Associação dos Cartunistas de São Paulo em homenagem à primeira publicação de As Aventuras de Nhô Quim, em 30 de janeiro de 1869. Nhô Quim e Zé Caipora foram dois dos principais personagens criados por Ângelo Agostini, pioneiro dos quadrinhos em território nacional, introduzindo os desenhos em publicações jornalísticas brasileiras.

Para homenagear todos os cartunistas e quadrinistas, publicamos reportagem com o Nilson Azevedo, que teve um importante papel na divulgação do quadrinho de Minas Gerais com seus personagens, publicados nos jornais Estado de Minas, Jornal do Brasil e O Pasquim, entre outros. Ele já conquistou diversos prêmios, como, por exemplo, o Primeiro Salão Carioca de Humor em 88, com cartum homenageando seu grande amigo, o cartunista Henfil.

“Minha personalidade é uma mistura de Jesus Cristo, Pernalonga e Che Guevara”, assim se define Nilson Adelino Azevedo. Apesar de ter nascido em Belo Horizonte, em agosto de 1948, considera-se da cidade de Raul Soares, para onde mudou ainda bebê. Raul Soares fica na zona da Mata, perto da Caratinga do Ziraldo.

Nilson é um colecionador de gibis

Sétimo filho, depois de seis meninas, ele diz que “eu sou aquele que vira lobisomem” . As irmãs mais velhas colecionavam os gibis (como eram chamados na época) e se fantasiavam com os amigos de super heróis, no carnaval. “Minha irmã saía e a gente ia correndo brincar com as fantasias”.

Assim descobriu os quadrinhos, que se tornaram uma das suas várias paixões. A paixão é tanta que ele guarda raras coleções como Flecha Ligeira, Tico Tico, Super Homem, os primeiros Pato Donald, na época chamado de “Fernandinho” e números das Aventuras de Nhô Quim. Seu apartamento é um verdadeiro museu da imprensa, tendo em lugar de móveis, revistas, jornais, coleções de vinil e de fitas de filmes raros. Isto sem falar que ele é uma enciclopédia humana, pois conhece a história dos cartuns e dos quadrinhos como ninguém. A porta do apartamento só abre até a metade, pois esbarra em uma pilha de revistas.

Negrim do Pastoreio, um dos seus personagens mais conhecidos

Antes dos quatro anos descobriu-se desenhando de maneira inusitada. Quando o pai, seu Adelino, chegava do trabalho na prefeitura de Raul Soares, Nilson corria para seus braços para pegar o lápis que ele sempre trazia atrás da orelha.  Logo arranjava um pedaço de papel e começava a desenhar. Valia inclusive as paredes da casa, rabiscadas até onde sua altura permitia. Seu Adelino era naturalista descendente de índios e muitas vezes o presenteava com cobras e tartarugas.

Importância do quadrinho na década de 50

Ele relembra a importância dos quadrinhos para a geração dos anos 50 no Brasil. Naquela época, os quadrinhos dominavam as bancas de revistas, porém, como sua família era pobre, Nilson nunca tinha dinheiro para comprar os gibis. Mas, lia os quadrinhos emprestados dos amigos. Quando podia comprar uma revista, depois de ler sempre era obrigado a trocar pelas novas edições, assim, nunca conseguia ter uma coleção inteira.

Coleção de Gibis de Nilson

Naquela época os gibis não eram proibidos, mas eram mal vistos pela igreja e pelas famílias tradicionais. Ele conta que era comuns frases como “para com isso menino, aposto que aprendeu isso nessas porcarias de gibi”.  Era muito comum também, as mães queimarem os gibis quando as crianças eram reprovadas no colégio.

Nilson conta que certa vez seu pai o levou a banca de jornais para que escolhesse um gibi. “Não acreditei. E depois de muitas dúvidas escolhi o almanaque “Flecha Ligeira”. Atordoado com o tão precioso presente, ele vai à missa agradecer a Deus. Correu para igreja com o gibi na mão. Ao entrar na igreja sua irmã falou: “olha o padre vai tomar o seu gibi.” E mais que depressa, antes que o padre chegasse escondeu o gibi debaixo da camisa. Nilson conta isso e ri com esse dilema que enfrentou quando criança. Agradecer a Deus pelo presente, mas impedir que o padre o tomasse. “Por vingança do aperto que passei, olha, consegui comprar a coleção inteira,” mostra ele, com ar de criança.

Sua criatividade lhe permitiu produzir em papel de açougue, 120 bonecos com movimentos, como um origami. Desenhava e recortava as roupas e acessórios, como diligências, revólveres, que eram trocados de acordo com a história. A meninada ia para sua casa, onde brincavam com os “hominhos” de papel, criando histórias de cowboy, índios e guerreiros romanos, vikings e hunos. “A felicidade era simples, era ganhar uma cartolina”, diz ele, seu sonho de consumo à época.

Assim, foi desenvolvendo o seu dom. “No escuro do cinema, nas matinés, tentava copiar o perfil do artista para colocar no rosto dos hominhos”. Ele conta que seu dom não lhe facilitou a vida no colégio Regina Pacis, dirigido pelo padre Sérgio. “Todo 21 de abril, tinha de desenhar o Tiradentes no quadro e personagens em outras datas históricas. E tudo que era desenho de sacanagem que o padre pegava, eu logo levava a culpa. Depois o padre Sérgio virou personagem em minhas histórias” conta, se divertindo.

Por gostar muito de cinema, influenciado pelo pai, seu sonho era ser ator. Mas logo mudou de ideia, quando conheceu a revista “Pererê” do Ziraldo. “Pirei com o Pererê e sua turma. Essa revistou mudou a minha vida porque exaltava o Brasil e como eu era apaixonado pelo Brasil percebi ali também nossas riquezas e valor. Decidi: Não vou mais desenhar cowboys e vou ser cartunista”.

Em 1963, aos 14 anos, vem a Belo Horizonte pela primeira vez visitar a irmã, Neidinha, que namorava o irmão do Ziraldo. “De repente me vi na casa do Ziraldo. Não sabia para onde olhava, se pra ele ou para o aparelho de TV, que estava ligado, uma novidade para mim”.

Depois de ver seus trabalhos Ziraldo convida-o para ser seu assistente no Rio de Janeiro. “Eu fiquei assustado, cristão, virgem, sem sair de Raul soares, o que vou fazer no Rio, eu vou ficar louco por lá! Não fui e crie duas histórias do Pererê e mandei para o Ziraldo. Uma delas foi publicada por ele na última revista, que saiu em março de 1964. Ele colocou o meu nome e virei herói na cidade: Nilson saiu no Pererê!”.

De Raul Soares para a capital

“Em 1965, minhas irmãs mais velhas que moravam em BH me sequestraram, para impedir que pai me mandasse para a aeronáutica. Estudava no Colégio Estadual Central e trabalhava como boy na Mendes Junior”, relembra. Em 1969, ao passar no vestibular, foi trabalhar na agência de publicidade Dinâmica, onde aprendeu tudo de criação e gráfica.

Gurilândia, encarte infantil do Estado de Minas

Ao levar alguns trabalhos para o Jornal dos Esportes, no Espírito Santo, conheceu o jornalista Euro Arantes do Jornal Binômio, o cartunista Henfil, os jornalistas Vander Pirolli, Bley Barbosa e Célius Áulicus. “Tenho muito a agradecer a todos eles e ao Ziraldo”, reconhece.

Ele conta que mostrou alguns quadrinhos para o jornalista André Carvalho do Estado de Minas. “Então ele tirou do jornal infantil “Gurilândia” a tira da Luluzinha e colocou o meu Neguinho do Pastoreio no lugar. O Negrinho estourou.” Para fazer este personagem ele se inspirou em um garoto que andava a cavalo em pelo, em Raul Soares, e ele morria de inveja ao vê-lo passar, buscando o animal no pasto. “Tudo que sou, que desenho veio de Raul Soares. Apesar de nascido aqui, me considero de lá”.

Em 74, vai para o Rio de Janeiro, onde ficou por oito meses, morando com o cartunista Nani. “Foi um época horrível, pois com a censura vetando tudo ninguém conseguia publicar nada e vários jornais fecharam. Voltei para BH e fui ilustrar livros de inglês e trabalhar no Jornal de Minas. Veio aí fase dos jornais, o De Fato, o Jornal dos Bairros”, relembra.

Em 2015 recebeu o título de cidadão honorário da cidade que ele adotou

De 79 a 84, morou em São Paulo, onde trabalhou com Henfil e presenciou de perto a truculência da ditadura.  Volta para Belo Horizonte e a partir daí passa a ser vetado, assim como outros cartunistas na grande imprensa. Em 2005, publica a tira Caravelas e o Negrim do Pastoreio, no Jornal do Brasil, a convite do Ziraldo.

“Hoje é difícil sobreviver apenas da arte do cartum e do quadrinho na imprensa. Antes havia o espaço de O Pasquim, Movimento, De Fato, mas hoje existe mais nenhum veículo de esquerda. Temos bons artistas, que não fazem mais por que não lhes é permitido”, comenta Nilson. Atualmente, ou melhor, há 25 anos, Nilson ilustra as publicações do Sindicato dos Eletricitários de Minas Gerais. Nilson inclusive menciona o caso recente do cartunista Duck, que foi processado por uma charge publicada no jornal O Tempo.

Aos 68 anos, Nilson continua com o mesmo espírito adolescente e com seu traço inconfundível, continua a dar vida a personagens que de tão simples, tornam-se fortes na crítica social e denúncia da injustiça, da intolerância e do preconceito.

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