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A terceira via do gênero

Há algumas semanas atrás saiu a notícia que a Alemanha introduziu, nas certidões de nascimento, a opção “outro”. A regra permite que pais não definam qual o sexo dos recém-nascidos, que têm a opção de, no futuro, escolherem entre “masculino” e “feminino” ou manter o “outro”. Uma medida similar está em tramitação na Finlândia, único outro país da União Europeia a fazer avanços no tema. A Suécia introduziu um novo pronome para indicar o terceiro gênero, mas ainda não tomou passos para documentação. Na Austrália, pessoas que não se definem como “machos” ou “fêmeas” já podem fazer a “terceira escolha” em documentos oficiais. Essa terceira opção busca englobar transexuais, pessoas com ambos os órgãos reprodutores e pessoas andróginas.

Desde “A Vindicação dos Direitos da Mulher” (1792), de Mary Wollstonecraft, existe o questionamento sobre o que é ser mulher/homem e como isso é construído. Isso foi brilhantemente definido por Simone de Beauvoir em uma frase: Não se nasce mulher, torna-se mulher. Essa afirmação indica que os papéis de homens e mulheres são socialmente construídos: meninos ganham carrinhos, meninas ganham bonecas; meninos são ensinados a expor sua sexualidade, meninas são ensinadas a escondê-las.

O que acontece quando uma pessoa é biologicamente homem, mas se identifica como mulher (mesmo antes de cirurgia)? O que acontece quando uma pessoa nasce com ambos os órgãos reprodutores e não é dada a chance de se definir, seja escolhendo um ou mantendo ambos? O que acontece quando uma pessoa não se identifica com o código binário da sexualidade biológica? Essas pessoas são excluídas, marginalizadas, feitas alvo de piadas, criticadas, julgadas e violentadas. As pessoas que se identificam com seu sexo biológico têm dificuldade em entender, têm medo, têm preconceitos. Esquecem que a base de tudo é ser humano. O preconceito contra transexuais, intersexuais (pessoas com ambos os órgãos ou outras diferenças nos órgãos genitais) e andróginos é chamado cissexismo. Uma pessoa “cis” é alguém que se identifica socialmente e biologicamente com o mesmo sexo.

terceiro genero 2

Pense em questionários sobre raça/etnia. Até pouco tempo, era obrigatório se definir. Questionários em países menos miscigenados colocam dezenas de opções para a miscigenação: “branco europeu com asiático”, por exemplo, ligando origem geográfica com a cor da pele e histórico cultural. Para as pessoas brasileiras, escolher uma dessas opções é quase impossível (por isso nossos questionários perguntam sobre a cor da pela apenas e mesmo assim são terrivelmente limitados). A salvaguarda é o “outro” ou “prefiro não responder”, que são sempre as opções que escolho. Eu não me identifico nem geograficamente, nem biologicamente, nem historicamente e muito menos visualmente (cor da minha pele) com branca, preta, amarela, parda ou indígena (opções do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE). Por que, então, uma pessoa que não se identifica como homem ou mulher não pode ter a opção “outro”?

A razão é o medo. O ser humano tem medo do desconhecido. Os falsos moralistas e falsos religiosos usam textos escritos há milênios para afirmar que essas pessoas são erradas só em existir. Que Deus criou o homem e a mulher, apenas. Mas, o nosso mundo é muito mais complexo do que isso.

A terceira via do gênero é um passo na direção da tolerância e da aceitação. Do respeito ao ser humano, independente de seus órgãos genitais. Parabéns para a Alemanha e para a Austrália e boa sorte para a Finlândia. E que o Brasil chegue lá rapidamente, porque tolerância e respeito estão em falta por essas partes.

A bandaof Montreal sempre lida com questões de gênero em suas músicas. A letra da música abaixo sobre intersexualidade pode ser encontrada aqui.

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